Publicado por: Wally | Quarta-feira, Fevereiro 4, 2009

O Leitor

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O divorciado pai e advogado Michael Berg, em meados dos anos 90, recorda de seus quinze anos, quando conheceu a misteriosa Hanna Schmitz, iniciando um caso ardente com a mesma. Anos após o abandono de Hanna, Michael, agora estudante de direito, participa de um julgamento que traz, surpreendentemente, Hanna Schmitz como a reu, frente à acusações diante de seu homicídio em campos de concentração de Auschwitz.

Frágil, complexo e cheio de pequenas polêmicas, o texto original de “O Leitor” é um que requer um tratamento extra cuidadoso. Qualquer nuance lida errada, emoção extraviada e diálogo mal direcionado pode fazer ruir o fenômenal conto humano explorado pelo aparentemente rico livro de Bernhard Schlink, que é adaptado com dignidade e sofisticação por David Hare (As Horas), competente quando se diz nuances e introspecção. E o que mais existe neste belo retrato de emoções humanas se corroindo são tais nuances, despidas num cenário dos mais introspectivos e densamente comoventes. Quando “O Leitor” tem início, começa um retrato já lamuroso de um homem que parece carregar um peso consigo mesmo. E, retratando este homem, Ralph Fiennes (A Duquesa) é ótimo ao não precisar dizer nada para nos convencer de sua situação, comunicando seus sentimentos em convulsão. É a partir daí que tem início as memórias do personagem, aos quinze anos, começando um caso com uma mulher imensamente mais velha que começa aos poucos a se concretizar como um caso torturoso, tanto para a audiência, que começa a perceber o destino que tomará o casal, quanto para os próprios personagens, presos entre emoções e sentimentos paralelos mais fortes que o próprio amor que os une.

O primeiro ato do filme é então palco para este caso ardente entre duas pessoas distintas, unidas por algo que vai além da solidão na qual se encontravam. Stephen Daldry (As Horas) aqui altera seu clima e seu tom, deixando as coisas mais interessantes, mas igüalmente conflitantes. O cenário aos poucos começa a se fechar (destaque à fotografia), e tudo se torna um tanto íntimo, bem carregado de simples (e às vezes complexas) emoções. O intimismo dá lugar à uma clara identificação com o casal. Mas as próprias cenas de sexo (várias) deixam a desejar ao cair no convencional e em tomadas simplistas. Isso acaba, controversamente, deixando as coisas mais frias. Felizmente, porém, Daldry não está trabalhando sozinho, e a dupla intensa de David Kross e Kate Winslet (Romance e Cigarros) conseguem se articular tão bem que toda e qualquer frieza é quase que automáticamente pulverizada pela presença constante que ambos mantém durante todo o primeiro ato, que atinge momento de lirismo e beleza profunda. Quando o ato se finaliza porém, o clima e o tom do filme muda por completo. A transição pode ser difícil, mas é necessária. Especialmente por caracterizar a catarse do personagem de Michael, e seu próprio amadurecimento.

Já no segundo ato, o ritmo tende a cair levemente, mas nossa atenção continua veementemente vidrada nas explosões emocionais constantes entre todos os personagens. É aqui que inicia-se o drama de tribunal, o julgamento não só de Hanna Schmitz, mas de Michael Berg, que se submete ao vergonhoso quando definha diante de sua incapacidade moral de reconhecer e revelar. É um momento devastador do filme. Seu efeito é forte, sua instigação inevitável e as atuações encontram aqui seus piques. Kross, que já havia surpreendido imensamente ao início com seu tremendo naturalismo, nos incita sentimentos diversos, e a própria Winslet, cuja personagem foi tratada com uma misteriosidade soberba ao ínicio, aqui se escancara à limites devastadores. A emoção é difícil de conter, e o debate, ainda mais. As questões de culpa, moralidade, justiça e ética aqui levantadas ecoam fortemente e são o suficiente para transformar “O Leitor” numa sessão obrigatória. O texto acaba se revelando, ao fim, a principal virtude que rege toda a trama.

Finalmente chegamos ao terceiro e último ato, que tem como protagonista Ralph Fiennes e sua melancólica atuação. O ritmo aqui desanda de vez, e até estica um pouco a duração do filme. Mas os personagens são tão fascinantes que continuamos a assistir com uma avidez quase natual. Até porque Daldry pode ter pecado, mas não deixa de ser um contador de histórias extremamente hábil. Aqui ele encontra sincronia com um elenco afiadíssimo – Winslet faz uma Hanna de forma tão forte que é impossível conter a emoção ao fim – e uma parte técnica bastante contundente. Além de uma fotografia bastante adequada, temos bons figurinos e, principalmente, uma linda trilha sonora de Nico Muhly (Joshua – O Filho do Mal), essêncial para toda a composição rítmica e emocional do longa. Mas realmente não existem motivos maiores para se ver ao filme – não contando Winslet, claro – que não sejam o de testemunhar um borbulhante retrato de emoções humanas caóticamente entrando em encontros e desencontros. É de uma simplicidade horrível rotula-lo como um “drama histórico” ou “filme de Holocauso”. “O Leitor” ecoa nesses aspectos, trazendo consigo introspecções históricas e fundamentais acerca dos acontecimentos ligados à Auschwitz, mas é sobre muito mais. É sobre a culpa, o receio e a vergonha. É também sobre a força das palavras. Um ensaio sobre o mudismo. Sobre nossa capacidade de mudança e de mudar em meio às palavras, mas também sobre como uns escolhem permanecerem mudos diante da vida, e do amor.

Nota: 8.5

The Reader (2008)
Direção:
Stephen Daldry
Roteiro: David Hare, baseado em livro de Bernhard Schlink
Elenco: David Kross, Kate Winslet, Ralph Fiennes, Lena Olin, Alexandra Maria Lara, Jeanette Hain, Bruno Ganz, Volker Bruch
(Drama, 124 minutos)


Respostas

  1. Wally, eu fui o único que não morreu de amores pelo filme, mas enfim…

    O livro é excelente e MUITO sensível. Daí, eu me deparo com um filme insensível e extremamente frio :(
    Uma pena…

    Kate, pra mim, é um espetáculo aqui. Mas em papel secundário, vai! Hahahahahaha.

    Abs!

  2. Concordo com a maioria de sua crítica, só não muito na parte que diz que o texto é o maior mérito. Na verdade acho que foi justamente aí que estava o maior problema do filme, já que a direção do Daldry como sempre é muito delicada e não decepciona – mas o roteiro tende a ser um tanto frio, especialmente em sua segunda parte. Mas concordo quanto ao resto!

  3. Mesma nota que a minha hehehe
    Gostei muito do longa e me surpreendi inclusive, não esperava tanto.

    Abraços!

  4. Wally, belo texto, como sempre. Gostamos igualmente do filme (até mesmo na nota)! Não tenho muito o que falar, então; achei belo, emotivo e tecnicamente muito bom. Só reclamo bastante do ato do filme em que aparece o Ralph Fiennes.

  5. Olá, Wally. Sempre vejo seus comentários lá no blog Anfitrião, do qual sou frequentador assíduo, mas sempre deixo para depois a visita ao seu blog.
    Enfim, aqui estou, e tenho que parabenizá-lo. Belo blog, com ótimo visual e ótimos textos. Vou te linkar lá no meu blog, beleza?
    Quanto a O Leitor, aguardo sua estréia ansiosamente. Gosto do Daldry (especialmente de As Horas) e principalmente da Winslet, e esse tem cara de pequena obra-prima.
    Se puder, dá uma olhada lá no meu blog, para conhecê-lo.
    Abraço!

  6. Realmente, os personagens de “O Leitor” são muito interessantes. Mesmo assim, a impressão que eu tive, ao terminar de assistir ao filme, foi a de que eles continuaram a ser um mistério para mim e isso é tão bom.

    Acho que o filme funciona demais quando David Kross e Kate Winslet estão juntos em tela e, no geral, apesar de alguns momentos serem melhores que outros, este é um ótimo trabalho do Stephen Daldry.

  7. Wally, gostei bastante de “O Leitor”, o diretor conseguiu contar muito bem a história numa mistura de suspense e conseguiu me intrigar. (As cenas no tribunal são as melhores, rs). Agora ficou difícil escolher Meryl ou Kate? rsrs. Acho que irei comprar o livro. ;)

  8. Wally,tudo bem?
    Te indiquei ao selo do “Olha que Blog Maneiro”, dá uma passadinha no meu blog para dar uma olhada.

    Aliás, achei O Leitor um dos poucos filmes que realmente mereceu todas as indicações que teve ao Oscar.

    Abraço !

  9. Achei o filme magnífico no primeiro ato (quando mostra com cuidado o envolvimento de Winslet com Kross), uma pérola mesmo – e somente por tais momentos, somados à boa atuação de ambos, resolvi dar 7,5 ao filme. é claro que a fotografia de Deakins, a direção de arte e os figurinos também ajudaram na cotação.
    Mas no segundo ato, quando ocorre a separação dos dois, tudo vai perdendo o sentido, ficando enfadonho demais. As cenas de tribunal foram muito chatas, e as partes em que o Fiennes aparece (salvo sua atuação) são muito mal escritas e conduzidas.
    A direção de Daldry é fria e considero este seu pior trabalho (dentre Billy Elliott e As Horas).
    Abraço!

  10. Hanna poderia ser culpada de seus atos, mas Kate Winslet constroi um personagem que comove o espectador.

  11. Wally, nao li o livro, mas pelo visto, foi mais um excelente trabalho de adaptacao do David Hare. Mal posso esperar por esse filme!!

  12. […] nuances. Mendes trabalha estilo e visual com muita elegância. A fotografia rica de Roger Deakins (O Leitor) explora os tons mórbidos da rotina do casal e a constante mesmice desta, enquanto Thomas Newman […]

  13. […] (Selton Mello, 2008) Foi Apenas um Sonho (Sam Mendes, 2008) ♦ Leitor, O (Stephen Daldry, 2008) ♦ Procurado, O (Timur Bekmambetov, 2008) * ♦ [REC] (Jaume Balagueró e Paco Plaza, 2007) * […]

  14. […] Atriz Angelina Jolie (O Procurado) Anne Hathaway (Noivas em Guerra) Kate Winslet (O Leitor)* Kristen Stewart (Crepúsculo) Taraji P. Henson (O Curioso Caso de Benjamin […]

  15. […] bem interessantes de Guy Pearce (Atos que Desafiam a Morte) e, principalmente, Ralph Fiennes (O Leitor). Mas quem merece os elogios é Jeremy Renner (O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert […]

  16. […] que é baseado em um conto pequeno de Bernhard Schlink (recentemente adaptado com "O Leitor"). Na trama de "O Amante", seguimos a obsessão de um homem pelas suspeitas de […]


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